sexta-feira, 31 de março de 2017

A História do Som no Cinema – 2ª Parte

Depois do sistema de Lee De Forest, que vimos na primeira parte, outros sistemas de sonorização começam a disputar o mercado. O Vitaphone, criado por Western Electric e Bell Labs, utilizado no primeiro filme falado, gravava o áudio em discos 33 1/3 rpm (velocidade usada pela primeira vez para este sistema) e tinha um diâmetro de 41 cm, posteriormente seria colocado numa plataforma giratória acoplada fisicamente ao motor do projetor enquanto o filme estava a ser projetado. Quando os inventores tentaram vender a tecnologia para os estúdio de Hollywood, em 1925, eles enfrentaram o mesmo problema que De Forest: o desinteresse. Mas os estúdios da Warner Bros Pictures rapidamente viram potencial nesta nova invenção.


Apesar disso, os responsáveis pelos WB Pictures nunca viram a utilização do Vitaphone para a gravação de diálogos, mas sim, para fornecer acompanhamento musical sincronizado com as imagens. Embora fosse essa a ideia inicial dos donos da WB, em Abril de 1927, eles vão mais longe, e para espanto de toda a indústria cinematográfica, é contruído o primeiro estúdio de som do mundo. Em Maio do mesmo ano, a produção do cinema sonoro com diálogos gravados, começaria com a produção e respetiva exibição do primeiro filme falado: O Cantor de Jazz, de Alan Crosland, com um total de 354 palavras.


Originalmente era para ser um filme mudo com acompanhamento musical utilizando o Vitaphone, mas Al Jolson improvisa algumas palavras e Warner Bros não as corta. Mais tarde, Jolson acrescenta mais diálogo numa cena intimista em que a sua personagem canta para a mãe. Assim que o seu “pai” entra em cena o filme volta a ficar sem diálogos gravados e escritos em cartelas, as partes improvisadas, pelo ator, foram as únicas com diálogo gravado, todos os outros diálogos foram intercalados com legendas habituas dos filmes mudos da época. Esta produção tornou-se num sucesso mundial conseguindo arrecadar aproximadamente 3,5 milhões de dólares.

Até o final dos anos 20, o Vitaphone acaba por dar lugar ao sistema Movieton. Aqui o som passou a ser gravado numa faixa ótica de densidade variável na mesma pelicula de filme que eram gravadas as imagens, e impedia que se corresse o risco de perder o sincronismo. Em 1928 Mickey Mouse aparece nos ecrãs gigantes pela primeira vez, em Steamboat Willie, com a voz de seu criador, Walt Disney. No ano seguinte O Beijo, com Greta Garbo, é o último filme mudo da MGM - Metro-Goldwyn-Mayer.

O Cinema sonoro expande-se, e o inglês torna-se uma língua mundial. O som abre espaço para novos géneros cinematográficos, como os musicais, os filmes de gângsteres e o terror ganhou novos caminhos graças às influências do expressionismo alemão, juntamente com faixas de som delével. Podemos destacar desta era sonora os filmes Drácula e Frankenstein, e como atores Fred Astaire, Ginger Rogers e Clark Gable. Depois de dominar o som, o cinema dá os seus passos em direção à conquista das cores, mas isto falarei numa próxima oportunidade.

Em 1940 o filme de animação Fantasia, de Walt Disney, seria o primeiro filme que utilizaria um sistema de som com vários canais, o que possibilitava a execução simultânea de música, efeitos sonoros e diálogos. Mas apenas duas salas de cinema foram equipadas com capacidade de reproduzir o som em sistema surround. Quinze anos depois Oklahoma!, de Fred Zinnemann, usa uma pelicula de filme de 70mm, sendo 65mm para a imagem e 5mm para seis canais de som.
A tecnologia do áudio progride, e uma empresa mudaria para sempre este paradigma, tornando-se quase sinonimo de “som para cinema”. Estou a falar da história do Dolby Sound: este sistema foi apresentado em 1966 e rapidamente se tornou no padrão da indústria cinematográfica. O primeiro filme, em 1971, Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick seria o primeiro a usar esta tecnologia. Em 1976 foi lançado um novo sistema de áudio o Dolby Stereo, com o filme “A Star is Born”. Passado pouco tempo todos os filmes passam a contar com este sistema. No ano seguinte, em 1977, a Dolby Stereo iria receber a sua primeiro showcase real com o filme Star Wars.

Na década de 1990, mais propriamente em 1992, a Dolby lança o Dolby Digital com o filme Batman Returns, usando o algoritmo de compressão AC-3. O Dolby Digital usa um formato de som chamado surround 5.1, que consiste em seis canais de som: um frontal, um esquerdo, um direito, um central, dois canais surround e um subwoofer.


Em 1993 dois novos formatos de som digital foram lançados: DTS e SDDS. O DTS (Digital Theater Systems) foi estreado por Steven Spielberg no filme Jurassic Park, e o SDDS (Sonic Dinamic Digital Sound), com um sistema surround 7.1, utilizado no filme O Último Grande Herói (Last Action Hero) de John McTiernan com Arnold Schwarzenegger.

Em 1995, o cinema completa um século de existência e vê uma transformação radical: os sistemas analógicos de áudio e imagem dão lugar aos novos sistemas informatizados. Na contracorrente dos avanços digitais. Dick Tracy, de Warren Beatty, é a primeira longa-metragem com banda sonora digital.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A História do Som no Cinema – Parte 1

O mês passado conclui o tema, como se lembram, a respeito da trilogia da montagem no cinema. Desta vez irei falar sobre o áudio para o sucesso cinematográfico do século XXI. A minha questão é: o que seria o cinema atual se não houvesse uma união entre som e imagem? Esta junção permitiu-nos conseguir a edição que hoje vemos, ouvimos, e sentimos na “tela”, na “telinha” e na “telona”. Neste sentido, a evolução do som no cinema ao longo destes últimos anos será o foco desta minha nova postagem.

Dizer que o cinema nem sempre foi totalmente sonoro posso correr o risco de ouvir várias respostas: Como assim? A música não é som? ou Claro, isso é obvio! Quem é que não sabe isso… que nunca foi 100% sonoro? Sim, é verdade que no início do cinema os filmes tinham som, se considerarmos o acompanhamento musical do piano. Porem, nem todas as salas de cinema possuíam verba suficiente para contratar um pianista, e por isso, muitas veze, o filme era visto sem acompanhamento de qualquer tipo de som. Mas o meu objetivo essencial, deste post, não é entrar em discussões com ninguém, e sim, deixar aqui um pouco da história do som no cinema.

Como muita gente sabe a possibilidade de gravar o som nasceu alguns anos antes da invenção do cinema, em 1877, tudo graças ao grande Thomas Edison e à sua célebre invenção nomeada por Fonógrafo. Era um dispositivo onde se podia gravar e reproduzir o som impresso num cilindro de cera. Dois problemas rapidamente surgiram: um é que o fonógrafo não era bastante potente para ser audível por uma grande plateia, pois era constituído por um cone acústico muito pequeno; o outro é que não existia sincronismo entre imagem e som.

Tudo mudaria em 1906 com Lee De Forest, um inventor americano, proclamado como o "pai do rádio", e um pioneiro no desenvolvimento da gravação de som para cinema, ao inventar a Audion Tube (válvula eletrónica de três elementos), primeiro dispositivo eletrónico que poderia reproduzir um pequeno sinal e amplifica-lo. Era um tubo de vidro que continha três elétrodos, um filamento aquecido e uma placa metálica.


Em 1919 três inventores – Josef Engl, Joseph Massole e Hans Vogt – patentearam o processo Tri-Ergon, o nome deriva do grego e significa "o trabalho de três", que convertia as ondas de áudio em eletricidade e através da válvula eletrónica de três elementos, de Lee De Forest, era registado no negativo do filme. Usaram uma forma especial de microfone sem partes mecânicas móveis (Katodophone) para a captação do som e um tubo especial de descarga elétrica com densidade variável para conseguir a gravação na pelicula. Para a reprodução do som, o sistema utilizou um alto-falante eletrostático, utilizando igualmente a válvula eletrónica de três elementos, em que a luz produzida pela válvula era convertida de novo em som.

Este processo resolveu uma questão muito importante, que desde Edison ninguém tinha conseguido, a sincronização Som/Imagem. Mas ainda existia o problema da baixa, ou falta, de amplificação suficiente para ser audível numa sala de cinema.


Em 1922, De Forest tinha projetado o seu próprio sistema que permitia ser audível para uma grande plateia: o Phonofilm, um sistema ótico de gravação que registrava o som em pelicula de filme. Inaugurou neste mesmo ano a De Forest Phonofilm Company para produzir uma série de pequenos filmes sonoros em Nova Iorque. A 15 de abril de 1923 foram exibidas dezoito curtas-metragens feitas em Phonofilm no Teatro Rivoli na rua 1620 Broadway, em Nova Iorque.

Nenhum dos estúdios de Hollywood manifestou interesse na sua invenção, porque nessa época eles controlavam todas as grandes salas, Forest estava assim limitado a exibir os seus filmes em salas de teatro independentes. Isto levou que a sua empresa entrasse em processo de falência em setembro de 1926, apesar disso, mais 1000 filmes foram feitos no espaço desses quatro anos.

Graças ao contributo de todos estes inventores – desde Edison a De Forest – tinha nascido o declínio do cinema mudo, se assim posso dizer. É que o som rapidamente foi adotado por todas as produtoras, pois o público manifestava que não queria ver mais os filmes mudos, e a cultura cinematográfica teve que se adaptar a esta nova realidade.


Perante este cenário, atores, argumentistas e realizadores têm que reformular os fundamentos da linguagem cinematográfica. Em Hollywood, por exemplo, os atores que se tinham tornando astros pela sua beleza física, mas tinham vozes feias ou tinham sotaque estrangeiro, veem as suas carreiras desabar. Por esta e outras razões estéticas Chaplin afirma ser contra o cinema sonoro: O cinema sonoro, vocês podem dizer a toda a gente que o detesto, destrói a beleza do silêncio. Apesar de ter sido um resistente a esta tendência, já globalizada na indústria cinematográfica, vai aos poucos adicionando algumas características estéticas que o sistema de gravação de som lhe podia dar.

Não foi só uma questão estética, propriamente dita, e artística que sofreram grandes alterações. As salas de exibição e estúdios têm de ser reconstruídos, repensados, pois necessitavam de isolamento acústico. As gravações de cenas externas ficam momentaneamente impossibilitadas de acontecer, pois ainda não havia na época, um sistema portátil de captação de som. E além disso, os filmes passam a apresentar 24 fotogramas por segundo, em vez dos 16 fotogramas adotados durante a era do cinema mudo, para possibilitar a sincronização de áudio e vídeo.


terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A Evolução da Montagem – Parte 3


Hoje irei continuar a minha trilogia sobre a evolução histórica e técnica da montagem. Nesta terceira e última parte irei falar sobre as teorias soviéticas, e não só. Não seria possível atingir a linguagem audiovisual e cinematográfica que é conhecida em pleno século XXI se não fossem alguns dos grandes impulsionares da chamada escola soviética: Lev Kuleshov, Vsevolod Pudovkin, Sergei Eisenstein e Dziga Vertov. Estes estudiosos permitiram um avanço significativo graças aos seus estudos sobre as técnicas da montagem cinematográfica, expondo diversas teorias acerca das possibilidades narrativas, expressivas e plásticas deste recurso.

Lev Kuleshov nasceu em 14 de janeiro de 1899, em Tambov, foi um cineasta e um grande impulsionador das teorias cinematográficas e é considerado o pioneiro de toda a estética da montagem soviética graças à sua célebre experiência que ficou conhecida por “efeito Kuleshov”.

O “efeito Kuleshov” consiste na edição de vídeo em que o mesmo plano de um ator - Ivan Mozzhukhin -, com uma face inexpressiva, era intercalado por outros planos com diferentes assuntos (uma sopa, um caixão e uma mulher num sofá). Esta experiência permitiu demonstrar que a conjugação deste plano único com outros diferentes atribua significado ao espectador.

Com esta experiência Kuleshov demonstrou-nos que o espectador tem a impressão de que o rosto do ator tem expressões diferentes a cada momento, no entanto, o ator gravou essa cena uma única vez. Esta perceção deve-se à nossa interpretação com relação à cena apresentada após a exibição da cena estática do ator. Por outras palavras, podemos dizer que o sentido emocional de quem assiste a esta pequena montagem, se alterava em função do plano que se lhe seguia. O espectador encontrava assim um novo significado para uma mesma imagem: fome, tristeza, alegria, respetivamente. 


Uma outra grande experiência deste pioneiro foi a montagem de um outro pequeno vídeo em que vemos um homem e uma mulher a correr, e no último plano, os dois se abraçam. O mais interessante é que todas estas imagens foram filmadas em lugares e ocasiões diferentes. Aqui, o público fica com a impressão que tudo tinha acontecido no mesmo lugar e consecutivamente.

Podemos dizer que foram duas experiências que permitiram melhorar a narrativa da época e mostrar quais são os poderes de uma excelente montagem. O objetivo principal destas experiências consistiu em provar que uma imagem não tem sentido por si só, e sim a contextualização feita pela montagem que lhe atribui significação. Tornou-se possível a ligação de material sem nenhuma relação entre si e quando dois planos são colocados em conjunto, o significado pode surgir ou acentuar a diferença entre eles. O confronto destes planos propicia um terceiro nível de significado que é criado na mente do público.

Não é só, como diz o mestre do cinema Jorge Monclar: uma ideia da cabeça, uma câmara na mão porque senão será uma “miséria” na tela. Com estas experiências de Kuleshov podemos verificar que colocando em prática esta forma de montar o nosso filme permite o despoletar e dirigir emocionalmente o espectador e a criação de um universo único e inusitado para o nosso filme, independente do mundo real, a partir da articulação de realidades ontologicamente autónomas, mas inteligivelmente integradas.
Os estudos e experiências que Lev Kuleshov levou a cabo rapidamente foram aproveitados, exemplarmente pensados e praticados por outros grandes nomes do cinema mundial, um deles, foi Sergei Eisenstein um dos maiores criadores e teóricos da montagem. Eisenstein afirmou que a montagem foi estabelecida pelo cinema soviético como o nervo do cinema. Assumindo, assim, este recurso como absolutamente central na sua obra fílmica. Em 1925, Sergei Eisenstein dirige O Couraçado Potemkine e mostra que a montagem dos planos é o principal elemento responsável por dar sentido a um filme. 


Alguns anos mais tarde Orson Welles, um cineasta norte-americano, inova estas técnicas e adiciona no seu filme Citizen Kane a câmara subjetiva em elaborados movimentos; diferentes ângulos de enquadramento, flashbacks e vários pontos de vista para contar a história.

Em 1976 John G. Avildsen é o primeiro a utilizar o sistema Steadcam, que permite ao operador de câmara movimentar-se sem haver imagens tremidas. Esta tecnologia é implementada no filme Rocky Balboa.

A evolução tecnológica não fica por aqui, com o século XXI quase a chegar, é na década de 90 que se substitui a pelicula celuloide (o analógico) pela filmagem digital. As antigas moviolas, onde os filmes eram tradicionalmente montados, são substituídas pelo computador. Os atores começam a contracenar com imagens geradas em computadores: monstros, bruxas, cães falantes, etc.

Finalmente o século XXI chega e com ele vem outra inovação: foi em 2002, que com o filme Star Wars, Episódio II - Ataque dos Clones, de George Lucas, que toda a produção é realizada digitalmente.

E o resto vocês já sabem!!! Com a tecnologia digital todas as pessoas conseguem editar e produzir filmes digitalmente… Onde está a essência do filme como Lev Kelechov nos ensinou? Na mente de todo aquele que vê e tem a capacidade de juntar 2+2, e se me permitem, a soma não é 4! A soma é o conjunto das emoções que cada um de nós dá a cada cena misturada e remisturada no nosso pequeno e fantástico cérebro! E atenção se não há emoção, não há cinema. Se não há cinema - e muitas grandes produções não o são -, o problema não é do nosso amigo cérebro, e sim da infelicidade de quem o montou. Este aspeto psicológico deixo para os entendidos da psicologia.

Um dia ainda vou escrever aqui sobre isto mesmo: a psicologia da linguagem audiovisual. É que cada plano, movimento, ângulo e enquadramento de câmara tem uma definição psicológica pré-estabelecida e que todos os profissionais de cinema deveriam ser obrigados em saber… pois muito fazem filmes e não sabem. Isto fica para um outro dia.